A PRAGA


*Conto publicado na coluna "Enredo do meu samba" no blog Ouro de Tolo em 11/5/2013


Confesso que tive que gargalhar com o que meu pai contou. Perguntei ao seu Jair se era séria mesmo a história que me contou e ele confirmou dizendo que tinha várias testemunhas. 

Depois do papo desliguei e pensei que estava na hora de por a mão na massa. Liguei o notebook e coloquei os primeiros “causos” no papel. Ri relembrando de alguns, me emocionei com outros e pensei que as pessoas mereciam conhecer aqueles sambistas e suas vidas. 

Fechei o computador, deitei e acordei cedo para ir ao colégio. Como sempre me enrolei e acabei chegando atrasado. Bati na porta e a reunião já acontecia com os pais e as crianças com a diretora. Minha filha me viu e veio correndo para os meus braços. Pedi desculpas a todos e sentei-me ao lado da Bia que claro me criticou.

A diretora reclamava do comportamento dos alunos, da bagunça que faziam e citou nominalmente os mais bagunceiros. Não citou Julinha o que foi um alívio. 

Ao fim da reunião a diretora nos chamou. Bia perguntou se Julia tinha feito algo, se era da turma dos bagunceiros e a mulher respondeu que não, o problema era o contrário. 

Julia andava introspectiva demais, ficava isolada inclusive na hora do recreio quando todos brincaram e quando foi pedido às crianças que fizessem desenho da família desenhou-se sozinha e os pais distantes.


Deixamos Julia em sala de aula e eu e Bia saímos juntos da escola. Comentei que não podíamos deixar nossa filha naquele estado e Bia respondeu “você é ausente, por isso a menina ta assim”. Falei que não queria brigar, queria uma solução para esse problema e minha ex pediu desculpas. 

Antes de entrar no carro virei para a Bia e falei “vamos pensar numa solução!” e instantaneamente beijei sua testa. Foi sem querer, não pensei no ato e ficamos nos olhando sem falar nada, sem saber o que pensar daquela situação até que entrei no carro e parti. 

Fui para o jornal e trabalhei pensando o dia todo na minha situação com Bia e Julia e o livro que escrevia. Cheguei a conclusão que minha missão naquele momento era resgate, resgatar pessoas esquecidas e minha família partida. 
 
Saí do trabalho e peguei o carro rumo a minha casa, mas no meio do caminho mudei de ideia. Fui para a “Casa de bamba” me refrescar porque eu merecia. 

Cheguei no bar e ele estava lotado como sempre. O pagode rolava e bambas se misturavam com a moçada se despedindo daquele que era um centro de cultura de nossa cidade. Almeidinha me arrumou uma mesa para sentar, mas rapidamente Baltazar, o do carro vermelho, me avistou e mandou que me juntasse a turma do samba. 

Cheguei perto e ele comentou com o grupo que tocava que eu estava escrevendo um livro com casos do samba. O cara que tocava pandeiro logo gritou “conta o caso do Penteado!!”. Penteado que era o cantor do grupo pediu que deixassem quieto e aquilo despertou minha curioso. Aí sim que quis saber a história. 

Penteado implorou para que não contassem, mas o grupo parou de tocar só pra contar a história.

Penteado era jovem cantor da Unidos do Viradouro, não era o principal, mas sonhava com o dia que seria o cantor da vermelho e branco de Niterói.
 
Gostava de dar uma de garanhão, ter muitas mulheres, se achava o Tom Cruise e até que levava jeito com as mulheres. Sempre cercado de várias.

Mas o garanhão namorava e sua namorada, a Jéssica era bem ciumenta. O malandro se virava como podia para dar suas escapadas e tudo ia bem.

Ia até a mulher começar a ficar desconfiada. Jéssica era ciumenta, mas não era burra. Ficou quietinha sem dar escândalos apenas esperando a hora de “dar o bote”. 

E o bote veio numa festa na Unidos do Porto da Pedra que a Viradouro foi convidada. Penteado foi representar a escola e cantou os maiores sucessos da agremiação.

No fim se atracou com uma passista crente que se daria bem, mas Jéssica, que mentira alegando ter que acordar cedo e assim não acompanhando o amado, apareceu de surpresa.

Maneta, cavaco da Viradouro e melhor amigo de Penteado que foi com o amigo até o Porto da Pedra ficou branco quando viu Jéssica e  tentou correr para avisar o cantor. Mas a morena foi mais rápida e se aproximou de Maneta perguntando onde estava o namorado. 

Maneta começou a gaguejar e olhou para o lado de fora. Jéssica percebeu e comentou “o safado ta lá né? Vou ver”. Saiu da quadra e deu de cara com Penteado beijando a passista.

Jéssica gritou “Canalha eu vou te matar!!”. Partiu para cima de Penteado lhe dando tapas e bolsadas. A passista, lógico, se mandou enquanto Penteado repetia que não era nada daquilo que sua namorada pensava. 

Cansada de bater Jéssica pôs a bolsa no ombro e disse que estava tudo acabado entre eles. Penteado tentou persuadir a moça que completou “e você vai virar broxa, não vai mais subir com ninguém”.

Aquelas palavras gelaram a alma de Penteado que conseguiu falar mais nada enquanto Jéssica ia embora. Maneta chegou perto do amigo e perguntou se estava tudo bem. Penteado respondeu que ela terminara tudo e Maneta falou “sinto muito”. Penteado completou dizendo que a mulher jogara praga para que ele ficasse broxa e Maneta emendou com um palavrão cabeludo. 

Penteado sentia falta da ex-namorada, mas pior ainda, ficou encucado com a praga. Por alguns dias nem conseguiu sair com mulher nenhuma, até que Chandelly, a passista do Porto da Pedra lhe convidou pra sair.    

Penteado pensou “praga é coisa de ignorante, não pega” e saiu com a passista. Foram a um barzinho, depois a uma boate e pararam no motel. No local o rapaz foi com todo afinco, mas falhou.

Pela primeira vez Penteado falhara na cama, lembrou da praga de Jéssica e se apavorou. Chandelly pediu que o amante se acalmasse que essas coisas ocorriam com todo mundo e encheu Penteado com carinho. 

O cantor se empolgou e começou a beijar a mulher. Tentou de novo. Nova falha. 

Chandelly levantou-se da cama, pôs as mãos na cintura e perguntou “Qual é Penteado? Você ta broxa?”. O homem desesperado pôs as mãos no rosto e respondeu “estou”. 

A vida de Penteado se transformou em um inferno. O cantor não conseguia se esquecer das palavras de Jéssica e pensava “pqp, a praga dessa desgraçada pegou”. Tentou sair com uma porta bandeira da Unidos do Anil, nova falha, com uma componente de ala da Unidos de Jacarezinho, falhou, marcou encontro e saiu com a assessora de imprensa da Tradição. Broxou. 

Em um encontro de escolas de samba no Império da Tijuca Penteado foi cantar e notou que as mulheres olhavam pra ele. Sentiu-se o garanhão, mas aí notou que elas riam. Lembrou de seus últimos fracassos e perdeu a voz. 

Começou a cantar esganiçado, dando uns agudos inexplicáveis assustando o mestre de bateria do Imperinho e Maneta que tocava cavaco para o amigo.    

No fim Maneta perguntou ao amigo o que ocorria e Penteado desabafou contando toda a verdade. 

Maneta viu que o sofrimento do amigo era sério e perguntou se ele
já tinha tomado o “azulzinho”. Penteado respondeu que sim, mas nem isso adiantava e Maneta respondeu “Só tem uma solução”. 

Preocupado, mas dizendo que faria qualquer coisa para resolver seu problema Penteado perguntou o que e Maneta respondeu “te levar a Pai Xoxó”. 

Pai Xoxó era um famoso Pai de Santo de Alcântara e Maneta levou o amigo pra se consultar. Os dois ficaram a sós e Pai Xoxó olhou bem sério para Penteado. O cantor ficou ressabiado perguntando o porque do silêncio, Pai Xoxó deu uma baforada no charuto e respondeu “mizifio tem um problema”. 

Penteado concordou e completou “se eu não tivesse problema não estava aqui”. Pai Xoxó respondeu que daria um jeito no seu problema de “paumolecência”.  Mandou que Penteado pegasse papel e caneta para anotar, mas ele só estaria completamente curado depois de uma nova tarefa que teria que fazer depois da recuperação sexual. 

Penteado anotou todos os ingredientes para o trabalho que teria que fazer. Só assim se recuperaria. O cantor foi na encruzilhada, colocou a farofa, o frango que comprou na padaria, o marafo, a vela de sete dias e rezou. 
 
Saindo do local encontrou uma cabrocha da Viradouro e decidiu testar se tudo dera certo. Foram para a cama e Penteado se sentiu como o He Man. Ao se descobrir curado gritou “Pelos poderes de Greyskull!!”. 

Estava bem, sentia-se perfeito, mas faltava-lhe algo, sentia falta de 
Jéssica e correu atrás de seu amor. Enquanto ela saía da faculdade
uma noite o cantor estava lhe esperando com um buquê de flores na mão. 

Jéssica arredia perguntou se ele achava que só flores bastavam e Penteado respondeu “eu amo você, me perdoa”. Jéssica sorriu e disse “isso basta” e lhe deu um beijo apaixonado.

A vida voltou ao normal. Penteado reconquistara Jéssica e voltava a dar seus pulos, inclusive com Chandelly, mas faltava uma coisa. Pai Xoxó pedira pra ele voltar ao terreiro para cumprir a segunda parte, a que lhe deixaria decididamente curado. 

Penteado voltou até Pai Xoxó e lhe agradeceu por tudo. O Pai de Santo trancou a porta e contou ao cantor que faltava a segunda parte. Feliz Penteado respondeu que estava ali pra cumprir e perguntou o que era. 

Pai Xoxó sentou no colo de Penteado e gritou “Ser meu bonitão!!”.

 


Deu ruim pro cantor...
 
 
ENREDO DO MEU SAMBA (CAPÍTULO ANTERIOR)
 
 
PRESIDENTE EM MAUS LENÇÓIS
 
 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

2023

TER FILHOS...

14 ANOS COM ELA